Mais do que meramente uma entidade biológica, o corpo é uma entidade histórica, atravessada por memória e conhecimentos pessoais e comunitários. O corpo é, sobretudo, um território político (Pisano, 2011) que, entretanto, pode vir a ser apropriado por discursos, ideologias e práticas que desestruturam seus saberes individuais e coletivos. Neste caso, a exploração e opressão configuram-se como dispositivos historicamente institucionalizados que, por conseguinte, geram e sistematizam "geografias do terror" (Borzacchiello et al., 2022). Nas chamadas "guerras internas" produzem-se não somente a apropriação dos corpos e sua anexação quase como território, mas também sua condenação (Segato, 2016). Não obstante, em "tempos de paz" a opressão também é produzida pela invisibilização e extermínio de corpos femininos e feminizados, assim como de corpos racializados e/ou em trânsito migratório.
Em outra chave, a luta ambiental está diretamente ligada à preservação de um corpo que é também não-humano (animal, espectral, vegetal, mineral), um corpo-território pensado como coletivo e detonador de transformações. Resulta significativo que em contextos de conflitos eco-territoriais sejam as mulheres as que carregam o papel de defender a natureza (Silva Santisteban, 2017). Essa constatação abre a reflexão sobre como o extrativismo, por exemplo, afeta corpos humanos e não-humanos e, de maneira diferenciada, a vida das mulheres em seus territórios, com ressonância em suas práticas políticas e em produções culturais diversas.
O corpo pode, assim, ser estudado a partir de diferentes modalidades de relação, tanto como território primeiro e individual, quanto coletivamente, pensado desde a biopolítica e seus efeitos como coletivo. Mas ele também pode ser pensado politicamente como um prolongamento da t/Terra, isto é, como corpo-terra (Haesbaert, 2020), em elo profundo com a natureza, como mostram diferentes culturas ameríndias. O corpo-terra-floresta é vivo, tem espírito e coração, respira, fecunda, mas também adoece, morre e reage (Kopenawa & Albert, 2015), isto é, afeta e é afetado, agencia e relaciona-se. A potência política do corpo-terra envolve pensar a ampliação da noção de sujeito para além do humano e suas interrelações com o espaço, abrindo o campo político para o não-humano, pensando a re-existência implicada na resistência. Em qualquer um dos casos, o corpo insere-se em experiências ou concepções múltiplas e amplas de tempo e espaço definidas na interação com outros seres e diretamente ligadas a processos culturais, ambientais, históricos e econômicos.
Neste sentido, torna-se urgente repensar/discutir o corpo como entidade política, mais precisamente como um território de dimensão prática (Gago, 2019) e, sobretudo, mobilizada pelo afeto como elemento propulsor de transformação.
O afeto provocado pelas obras de arte está diretamente ligado à consideração da arte como uma força cultural política. Uma imagem, frase ou materialidade desempenham performances que atuam gerando efeitos que, por sua vez, podem ser políticos, éticos e estéticos (Bal, 2019), colocando em relevo o potencial crítico de diferentes produções culturais que, no contexto atual latino-americano, contestam os diferentes modos de violência através dos afetos e da forma.
A arte e a escrita contemporâneas parecem lançar luz sobre tal problemática. A partir de suas diversas estratégias discursas e/ou visuais de representação, figuração, e de encenação do real, evidenciam o corpo como um campo de/em disputa, implicando afetos. Embora sejam evidentes as configurações da violência sobre múltiplas corporeidades, produções estéticas atuais vêm promovendo uma subversão da ideia do fracasso e da violência, contestando a história oficial e colonial, a fim de vislumbrar e materializar outras possibilidades de narração e representação, especulando outros territórios possíveis pela corporeidade do afeto e seu caráter performativo.
Neste sentido, a proposta desta edição é pensar as relações entre corpo, território, escrita e as políticas do afeto nas literaturas latino-americanas e em outras produções estéticas em diálogo com a escrita.
Sumário
Artigos Científicos de Número Temático (Literatura)
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												Luana Raquel dos Santos Soares,									Vania Maria Ferreira Vasconcelos									 
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			e6811
		 
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												Bruno Silva Nogueira									 
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			e6812
		 
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												Ana Gomes Porto,									Valéria Augusti									 
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			e6813
		 
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												Mônica Gabriela Kalschne,									Maiara Schons,									Antonio Reidiver Guizzo									 
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			e6814
		 
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												Helvio Moraes,									Cláudio Birck									 
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			e6815
		 
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												Verônica Farias Sayão									 
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			e6816
		 
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												Izabela Guimarães Guerra Leal,									Marina Beatrice Ferreira Farias									 
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			e6817
		 
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												Sylvia Maria Trusen									 
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			e6818
		 
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												Sonyellen Fonseca Ferreira Fiorotti									 
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			e6819
		 
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												Maria Eduarda SANTOS DUARTE,									Francisco Willton RIBEIRO DE CARVALHO,									Silvana Maria PANTOJA									 
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			e68110
		 
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												Carlos Henrique Lopes de Almeida,									Jéssika Vales Laranjeira									 
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			e68111
		 
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												Cláudia Maria Busato									 
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			e68112
		 
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Artigos de Tema Livre
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												Felipe da Silva Mendonça									 
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			e6821
		 
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