Cabeçalho da página

O discurso da industrialização e a ocupação dos manguezais nas décadas de 1970 a 1980 em Joinville: um olhar à luz de Foucault

Liliane Jacinto Zerger, Luana Carvalho Silva, Paulo Ivo Koehntopp

Resumo

ZERGER. Liliane 2017. O discurso da industrialização e a ocupação dos manguezais nas décadas de 1970 a 1980 em Joinville: um olhar à luz de Foucault Dissertação de Mestrado, Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE, Programa de Pós Graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade, Joinville/ SC.

 

O fenômeno humano da industrialização provoca profundas alterações socioespaciais, acelerando a urbanização, êxodo rural, exploração e utilização dos recursos naturais.

Na década de 1970, período da “corrida para Joinville”, o município de Joinville, maior polo econômico do Estado de Santa Catarina, recebeu uma legião de migrantes do interior do Estado - principalmente Tubarão desencadeada pelas enchentes arrasadoras de 1974 e pelo declínio da atividade extrativista de carvão mineral em Criciúma - e do Estado do Paraná – sendo estes a maioria.

Na medida em que ocorrem mudanças na esfera econômica do município, ocorre inversão do discurso efetivado pelo poder público e, passam a proferir em diversos meios: “não venham a Joinville, que o emprego acabou”. Este “direito” de penetrar na vida alheia e encorajá-los à dinâmica, justifica-se frente à conjuntura econômica de mudança no setor produtivo que deixou a mercê famílias várias em condições subumanas.

Com a expansão da indústria joinvillense, acentua-se a degradação dos manguezais e, consequentemente, os prejuízos ambientais na região, levando a cidade a uma quase condição de favelização. Dado a falta de moradias, “o mangue era o destino desses migrantes que passaram a invadir áreas de manguezais pertencentes à União, nelas construindo frágeis e insalubres palafitas” (TEBALDI, 2008, p.30).

A instalação dos migrantes em áreas de mangue trouxe consequências graves à saúde da população. Surtos de meningite, cólera, desinteria, leptospirose, infecção alimentar, alta taxa de mortalidade infantil, dentre outras. Com objetivo de frear o avanço populacional migrante e sua consequente instalação nas áreas de manguezais, o Poder Público Municipal - que antes incentivava a vinda dos migrantes - tomou uma série de medidas na tentativa de sanar a problemática gerada pela vinda destas pessoas.

Dentre as estratégias utilizadas, destacam-se: construção de canal artificial medindo 10 quilômetros de extensão, 40 metros de largura por 5 metros de profundidade, dividindo a área de mangue já urbanizada da área ainda intocada; reurbanização da área invadida estabelecendo uma política habitacional conjunta entre prefeitura e moradores e medidas sócio- educativas - peças teatrais, palestras de conscientização da importância do manguezal, concurso garota ecologia etc. - aliadas às anteriores (TEBALDI, 2008).

Neste sentido, a análise do discurso utilizado permite-nos compreender as lacunas geradas, motivando-nos a buscar elucidações que permeiem o projeto na sua complexidade, tais como: o discurso empregado pelo autor, estabelecer as séries diversas, divergentes e não autônoma compreendendo as razões de sua presença (Foucaut, 1970 p. 56).

A partir do século XVIII, já não importava apenas disciplinar as condutas individuais, mas, sobretudo, implantar um gerenciamento planificado da vida das populações. Assim, o que se produzia por meio da atuação específica do biopoder não era mais apenas o indivíduo dócil e útil, mas era a própria gestão da vida do corpo social. Passou-se então, a aplicabilidade de dados estatístico referente à população e, apartir destes, promover ações de governamentalidade.

A partir da discussão acerca da gestão da população, emerge o conceito da Biopolítica - abordada pela primeira vez em 1974 em uma conferência no Rio de Janeiro sobre o Nascimento da Medicina Social publicada em 1977. A partir da publicação de o Nascimento da Biopolítica em 1978/1979, a pesquisa de Foucaut toma nova direção. Busca analisar as novas formas de controle biopolítico, segundo eixos da economia de mercado, influenciado pelo neoliberalismo econômico onde o homem passa a ser compreendido na perspectiva do homo oeconomicus - como surgido no século XVIII, é aquele que obedece ao seu interesse, aquele que aceita a realidade ou que responde sistematicamente às modificações nas variáveis do meio, agente influenciado que procura responder as exigências de mercado. Neste sentido, “é preciso governar para o mercado, em vez de governar por causa do mercado” (FOUCAULT, 1978/1979, p. 64). As ações dentro dessa nova racionalidade passam a ser  o controle dos indivíduos e da população, tal como elas se dão nas modernas economias de mercado.

A situação de insalubridade, apresentada pela antropização do manguezal, e, consequentemente o agravo na saúde dos migrantes bem como as políticas públicas investidas para redução das questões elencadas, podem ser compreendidas a partir do conceito de Medicina Social exaustivamente abordada por Foucault, em Microfísica do Poder. Desenvolveu-se sobretudo na Alemanha, no começo do século XVIII, como uma prática médica efetivamente focada na melhoria do nível de saúde da população; Medicina Urbana ? representada pelo exemplo da França, onde, em fins do século XVIII, aparece uma Medicina Social centrada na problemática da urbanização e finalmente, Medicina dos Pobres, da força de trabalho

Esta ação de manter os migrantes em áreas de manguezais, nos leva a refletir suas razões. Havia intencionalidade por parte do poder público em manter esta divisão socio-espacial? Manter a visão germânica da colonização? Segregação? Podemos tentar visualizar/compreender este arguir, estabelecendo analogias ao exilamento do leproso e a reclusão dos acometidos da peste que não traziam consigo um sonho político “Um é de uma comunidade pura e o outro de uma sociedade disciplinar. Duas maneiras de exercer o poder sobre os homens, de controlar suas relações, de desmanchar suas perigosas misturas” (FOUCAUT, 1987, p.164).

 

REFERÊNCIAS

 

 

FOUCAUIT, M. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. - Rio de Janeiro: Edições Graal, 4ª ed. 1984. (Biblioteca de filosofia e história das ciências; v. n. 7).

______. O nascimento da Biopolítica: curso dado no College deFrance (1978-1979) Tradução Eduardo Brandão. Martíns Fontes, São Paulo, 2008.

            .A ordem do discurso: Aula inaugural no College deFrance, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio. 8ª ed. Julho de 2002, edições Loyola, São Paulo, Brasil, 1996.

 

TEBALDI, Marco Antônio. Projeto mangue: preservação dos manguezais e zonas de maré. Join- ville/SC: Editora Letradágua, 2008.

Palavras-chave: Manguezal. Discurso. Poder.


Texto completo:

PDF


DOI: http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v14i2.12868



 © As/os autoras/es que publicam na Amazônica Revista de Antropologia (ARA) retêm os direitos autorais e morais de seu trabalho, licenciando-o sob a Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivação Works 3.0 Brasil que permite que os artigos sejam reutilizados e redistribuídos sem restrições, desde que o trabalho original seja citado corretamente.

 

 

Creative Commons License
Amazônica - Revista de Antropologia da Universidade Federal do Pará é licenciada sob uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivação Works 3.0 Brasil.

This is an open-access website under the terms of the Creative Commons Attribution-NoDerivatives License.
Based on a work at www.periodicos.ufpa.br.
Permissions beyond the scope of this license may be available at http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/amazonica.